Cover History - A origem e as versões da canção Meu Limão, Meu Limoeiro


Quem nunca ouviu os versos: "Meu Limão, Meu Limoeiro / Meu pé de jacarandá / Uma vez tindolelê / Outra vez tindolalá"? Se você tem filhos pequenos pode até pensar que esta música foi feita especialmente para o disco Os Sucessos da Galinha Pintadinha Volume 1000, só que não...

Meu Limão, Meu Limoeiro foi uma das canções brasileiras mais famosas no mundo. Hoje poucas pessoas se lembram dela - excetuando as crianças que gostam de Galinha Pintadinha. E se você perguntar para as pessoas que viveram os anos 60 sobre quem foi o autor desta canção, elas lhe dirão com convicção que é do Wilson Simonal.

De fato, graças ao sucesso obtido aqui e em outros países da América Latina, não é de se estranhar tal afirmação. A primeira gravação de Simonal para Meu Limão, Meu Limoeiro é de 1966, lançada no disco Vou Deixar Cair, seu quinto álbum de estúdio. O ápice desta cover ocorreu no show de encerramento do Festival Internacional da Canção em 1968 organizado pela Rede Globo. Ao som de Meu Limão, Meu Limoeiro, Simonal regeu um coro de 25 mil pessoas no Maracanãzinho.

A origem da cover de Simonal pode ser consultada no livro Nem vem que não tem: a vida e o veneno de Wilson Simonal do jornalista Ricardo Alexandre. Segundo consta nesta publicação, "nos intervalos do programa que apresentava na TV Record em 66, Simonal mantinha a plateia entretida fazendo piadas, imitações e cantando músicas despretensiosas". Foi numa destas ocasiões que surgiu a ideia de Simonal gravar sua própria versão de Meu Limão, Meu Limoeiro:


No site Discogs, é possível identificar que no disco Vou Deixar Cair a autoria da composição foi dada corretamente ao pernambucano José Carlos Burle.


Realmente, uma das primeiras gravações mais exitosas (e sem champignon) de Meu Limão, Meu Limoeiro, realizada pela dupla Sylvio Caldas e Gidinho em 1937, carrega o nome de Burle em seus créditos.


Meu Limão, Meu Limoeiro (por José Carlos Burle)

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Morena, minha morena
Corpo de linha torcida
Queira Deus você não seja
Perdição da minha vida

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Quem tem amores não dorme
Nem de noite, nem de dia
Dá tantas voltas na cama
Como peixe n´água fria

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

A folhinha do alecrim
Cheira mais quando pisada
Há muita gente que é assim
Quer mais bem se desprezada

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Porém, ao se aprofundar nas pesquisas, não é possível afirmar quando teria sido composta e nem quem seriam os verdadeiros autores de Meu Limão, Meu Limoeiro. Alguns pesquisadores acreditam que sua origem tenha raízes no folclore baiano, tendo sido recolhida pela primeira vez na década de 1910 pela pianista Carolina Cardoso de Menezes e Francisco Pereira, como podemos verificar neste link da Biblioteca Digital Luso Brasileira.

Uma das primeiras gravações que traz Carolina Menezes e Francisco Pereira como autores é datada também de 1937, gravado pelo cantor Jorge Fernandes acompanhado da Orquestra do Maestro Odmar Amaral Gurgel (o Gaó):


Meu Limão, Meu Limoeiro (por Carolina Cardoso de Menezes e Francisco Pereira)

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Ninguém pense que a aventura 
Tem a duração segura
De perene e doce enleio
Deus fez com sabedoria
Um dia e após outro dia
Com uma noite em meio, ahhh

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Tindolelê é promessa
É ventura que começa
Entre sorriso de amor
Tindolalá vem chegando
É o fim que vem começando
Na madrugada da dor, ahhh

Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá

Meu Limão, Meu Limoeiro
Meu pé de jacarandá

Mais tarde, em 1951 a atriz brasileira, cantora e cineasta Vanja Orico participou do filme italiano Mulheres e Luzes (em italiano, Luci del Varietà), o primeiro longa metragem dirigido por Federico Fellini com a colaboração de Alberto Lattuada. Nele, Vanja faz o papel de uma cigana brasileira e, em uma das cenas, ela entoa lindamente Meu Limão, Meu Limoeiro baseada na versão de Carolina Menezes e Francisco Pereira.


Nos registros online do Dicionario Cravo Albin da Música Popular Brasileira consta também que em 1959 a nossa querida e saudosa Inezita Barroso regravou Meu Limão, Meu Limoeiro baseada na versão de José Carlos Burle, colocando sua levada caipira para a canção: 


Voltando aos anos 60, pegando carona no sucesso de Simonal, seu parceiro e amigo de pilantragem, Carlos Imperial, com o seu grupo A Turma da Pesada – composto por um time de ótimos artistas "pilantras e da pesada" (no bom sentido) como Orlando SilveiraWagner TisoLuiz Marinho e a dupla vocal Celma e Célia – gravaram em 1968 o disco Pilantrália que continha um pot-pourri de Meu Limão, Meu Limoeiro com outros dois clássicos da música brasileira: Peguei Um Ita No Norte de Dorival Caymmi e Cabeça Inchada de Hervé Cordovil.


Ouça a música Cabeça Inchada na interpretação de Solon Sales feita em 1949 com Mario Zan e seu Conjunto:


E aqui uma interpretação de Peguei Um Ita No Norte feita pelo próprio Dorival Caymmi gravado em 1945:


Esta versão do grupo de Imperial fez um enorme sucesso também e explodiu nos países vizinhos como Argentina e Venezuela. Naquele 1968, o então cantor ítalo-argentino Billy Bond - que foi integrante da banda Joelho de Porco e hoje é reconhecidamente um grande produtor de espetáculos musicais - gravou sua versão em espanhol deste pot-porri em seu disco Yo, Billy Blond, corretamente indicando os créditos aos três compositores brasileiros, Burle, Caymmi e Cordovil, como podemos conferir aqui:



Ainda em 68, o cantor venezuelano Henry Stephen gravou uma adaptação em espanhol intitulada apenas Limon Limonero para este mesmo pot-pourri num estilo mais acelerado, misturando ritmos caribenhos. Nela, houve uma pequena modificação na letra original de Meu Limão, Meu Limoeiro, agregando a estória franceses e ingleses. Veja:

“Mi limón mi limonero
Entero me gusta mas
Un inglés dijo yeh yeh
Y un francés dijo la lá”


Das versões em espanhol, a de Stephen foi a que obteve mais sucesso, tendo inclusive um estrondoso sucesso na Europa. E acredito que foi a partir dela que começou a confusão sobre a autoria de Meu Limão, Meu Limoeiro. No site Discogs podemos ver que o single de 45 rotações de Henry Stephen dá erroneamente crédito apenas a Carlos Imperial:


Talvez este erro se justifique pela versão da turma do Imperial para o disco Pilantrália, porém não conseguimos comprovar.

É uma pena que o próprio Henry Stephen ou sua assessoria não saibam que se trata de três grandes clássicos da música brasileira. Em entrevista dada ao site Panorama em 2016, Stephen falou da magia que há em interpretar Limon Limonero em seus shows e o grande sucesso que ela faz até hoje com o público; mas nada comentou sobre como ela se originou.

Pegando carona no sucesso do venezuelano, outros artistas europeus aproveitaram para fazer adaptações para o idioma de seus países de origem. Uma das mais inusitadas é a versão deste pot-pourri em finlandês feita pelo cantor Lasse Mårtenson em 1969. Confira aqui o vídeo com direito a legenda:


Também de 1969 encontramos a indecifrável versão do grupo dinamarquês Keld & The Donkeys, Lena & Johnna para o pot-porri de Limon Limonero:


Curiosamente tanto a adaptação dinamarquesa quanto a finlandesa deram créditos apenas a Carlos Imperial, tudo por conta, ao meu ver, dos créditos incorretos da gravação de Henry Stephen, como podemos verificar na capa do lançamento do single de Mårtenson e do grupo dinamarques:


Em 1969 também, o cantor Mats Olin gravou uma versão em sueco baseado na versão de Henry Stephen que fez muito sucesso.


Dez anos depois da versão de Olin, também na Suécia, foi gravada uma versão da versão chamada Citro Citronita feita especialmente para o desenho Os Smurfs. Esta cover lembra aquelas vozes do desenho dos esquilos Chipmunks...


Para aumentar esta "overdose" de Limon Limonero ou Meu Limão, Meu Limoeiro, temos a atriz e cantora mexicana Thalia, a famosa Maria das novelas Maria do Bairro, Maria Mercedes e Marimar, colocando toda sua desenvoltura e talento vocal em 1992 ao reinterpretar este sucesso brasileiro:


Daria ainda para falar da adaptação (ou plágio) em inglês feito pelo norte-americano Will Holt chamada Lemon Tree que virou um enorme sucesso mundial nos anos 1950 e 1960, mas essa é uma história que merece um post específico.

Por fim, já sabemos que é mais correto dizer que Meu Limão, Meu Limoeiro é original do folclore nordestino brasileiro. Os créditos aos seus possíveis autores estão aí para serem pesquisados e corretamente creditados. E se alguém por ventura te afirmar que a autoria de Meu Limão, Meu Limoeiro é de Simonal ou do Imperial, é só falar: “nem vem que não tem”! Ah! E também não é da Galinha Pintadinha...

Fontes:

Busca por "Limon Limonero" - Discogs. Disponível em: https://www.discogs.com/search/?q=limon+limonero&type=all - acessado em 30 de Março de 2018

SEVERIANO, Jairo e HOMEM DE MELO, Zuza. A Canção no Tempo - Vol. 1 - Instituto Moreira Sales, Editora 34 - Extraído do blog Cifra Antiga. Disponível em: https://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/04/meu-limo-meu-limoeiro.html - acessado em 31 de Março de 2018

JNS. A carreira da atriz, cantora e cineasta Vanja Orico - Jornal GGN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-carreira-da-atriz-cantora-e-cineasta-vanja-orico - acessado em 31 de Março de 2018

Busca por "Pilantrália" - Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pilantr%C3%A1lia - acessado em 30 de Março de 2018

Busca por "A Turma da Pesada (Banda)" - Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Turma_da_Pesada_(banda) - acessado em 30 de Março de 2018

CASTELLANO, Yesenia Rincón. Henry Stephen cuenta la historia de su hit Limón Limonero - Panorama.com.ve. Disponível em: http://www.panorama.com.ve/espectaculos/Henry-Stephen-cuenta-la-historia-de-su-hit-Limon-limonero-20160505-0073.html - acessado em 31 de Março de 2018

TELES, José. Will Holt (1929/2015), "autor" americano de Meu limão, meu limoeiro - Jornal do Commercio de Pernambuco - Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/toques/2015/06/05/will-holt-19292015-autor-americano-de-meu-limao-meu-limoeiro - acessado em 25 de Junho de 2022.

Busca por "Meu Limão, Meu Limoeiro" - Biblioteca Digial Luso-Brasileira. Disponível em: http://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/26564 - acessado em 31 de Março de 2018

Busca por "Meu Limão, Meu Limoeiro Inezita Barroso" - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/inezita-barroso/discografia - acessado em 31 de Março de 2018

ALEXANDRE, Ricardo. Nem vem que não tem: a vida e o veneno de Wilson Simonal - Editora Globo - Extraído do site Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wilson_Simonal - acessado em 31 de Março de 2018

Agradecimentos:

Gilberto Inácio Gonçalves e Luciano Hortencio por disponibilizar no YouTube as raras gravações de Meu Limão, Meu Limoeiro.

Ao canal Memória Cinematográfica do YouTube que disponibilizou a cena de Mulheres e Luzes com a interpretação de Vanja Orico.

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7 Comentários
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  1. Bom dia , gostaria de ser colaborador é possível ?

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    1. Ola, boa noite, por favor, envie mais detalhes sobre o porquê você gostaria de ser colaborador do blog no email 1001covers@gmail.com. Também informe suas preferências musicais (estilos, bandas ou artistas que você curte) e a frequência com que vc gostaria de publicar no blog!

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  2. Procurei pelo tema porque encontrei esses versos na Canção do Expedicionário, de Guilherme de Almeida

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  3. Olá,
    Então, quem foi o verdadeiro autor da música Meu Limão, meu limoeiro? Porque você colocou que foi José Carlos Burle no início e depois finaliza dizendo que a autoria é do Folclore nordestino. Isso quer dizer que José Carlos Burle registrou a música que faz parte de cantigas populares e que o verdadeiro autor é anônimo e ele aproveitou para registrar como sendo dele?

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    1. Olá ARTE!
      A verdade é que a música tem origem no folclore nordestino. A parte que compete a Jose Carlos Burle é o trecho:

      "Morena, minha morena
      Corpo de linha torcida
      Queira deus você não seja
      Perdição da minha vida"

      "Quem tem amores não dorme
      Nem de noite, nem de dia
      Dá tantas voltas na cama
      Como peixe n´água fria"

      "A folhinha do alecrim
      Cheira mais quando pisada
      Há muita gente que é assim,
      Quer mais bem se desprezada"

      Mas o trecho mais conhecido é verdadeiramente de domínio público.

      A versão de Burle é mais conhecida, mas não é a mais antiga. A mais antiga é de Carolina Cardoso de Menezes e Francisco Pereira, datada década de 1910.

      A questão toda é que o Carlos Imperial, amigo de "pilantragem" de Simonal tentou se apossar dos direitos autorais da canção justamente quando ele descobriu que era uma música de dominio público que se deu com o estrondoso sucesso de Simonal e posteriormente um sucesso internacional.

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  4. Muito boa a matéria, parabéns. Faltou só a famosa gravação do Topo Gigio, de 1969, também creditada a Carlos Imperial. - https://www.youtube.com/watch?v=FxpVSMk7MV0

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    1. Verdade Laert, vc tem razão, mas em breve faremos um post só do Topo Giggio.

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